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6 de maio de 2014

INTERVENÇÃO DO PADRE OLAVO NO DECURSO DA VISITA QUE LHE FIZEMOS



“Visita dos Antigos Alunos Carmelitas a Ervidel, a 3 de Maio de 2014

Agradeço aos Antigos Alunos Carmelitas pela iniciativa que tiveram em descer ao Alentejo a cumprimentar-me como último do grupinho de Carmelitas Holandeses, vindos do Brasil, que vos acompanharam na Falperra e no Sameiro. Bem sei que não vieram só para mim mas também para cumprimentar também o nosso Bispo-Carmelita e os Confrades de Beja.
Fui informado desta iniciativa e tive a feliz colaboração do Sr. Aldiro, também AAC, que tratou de oferecer-vos um jantar nesta casa.

Só não estou de acordo com o título de “homenagem” que alguns quiseram dar a este encontro. Ora, deixemos tal título de fora.

Homenagem é coisa boa para oferecer a Nossa Senhora e aos Santos, mas não a um velho frade que já não é capaz de conduzir um carro com segurança.

Houve quem me sugerisse a fazer uma espécie de discurso, mas eu não sou amigo de discursos e só queria dar alguma palavrinha que me ocorresse dizer na ocasião, como fazia na Falperra, mas de seguida reconheci que já não tenho memória para isso. Por isso estou aqui com um papel na mão, não só perante antigos alunos mas perante as esposas que os acompanham.

Tanto a umas como aos outros, um cordial bem-vindo.

Permitam-me recordar algumas coisas mais sensíveis dos meus 57 anos completos em Portugal e quase 43 no Alentejo.

Primeiro: continuo Padre, continuo Carmelita e continuo no país para onde o Capítulo Provincial, celebrado em São Paulo, Brasil, nos meses de Dezembro de 1956 a Janeiro de1957.

Mandaram-me para o Seminário dos meninos da Falperra onde Padre Pascoal já era Reitor. Tive de dar aulas. Tudo bem, contanto que não seja Grego, porque Grego era a disciplina em que fiquei mais mal em todo o meu tempo de estudante. Seja como for, as outras disciplinas já têm os seus professores. Só para Grego é que não. Custou-me, mas obedeci. Para além disso aceitei muitas horas de vigilância.

Quando o Seminário já tinha certo andamento e já tínhamos fornecido bom número de candidatos para o noviciado, aparece de repente a notícia de que no Brasil tinham resolvido não mandar mais subsídios para o Seminário em Portugal. Parecia uma bomba a estourar.
   
Passei uma noite sem dormir. No dia seguinte disse ao Padre Marcelino:
“Somos gente ou não somos nada”. Os Monfortinos nunca tiveram subsídios do  Brasil mas sustentam o seminário com esmolas da Holanda e da Alemanha. Porque nós não faremos o mesmo?
Quando, dias depois, o Padre Comissário, chega, visivelmente para combinar como e quando mandar os alunos para casa e fechar as portas, nós apresentamos o projecto de sustentar o Seminário com esmolas dos países mencionados. Ele ficou surpreendido e suspendeu, provisoriamente, o encerramento do seminário, mas com pouca esperança no êxito.

Fui à Holanda e voltei com grande confiança e com o suficiente para equilibrar as despesas do trimestre corrente.

No ano seguinte fui à Alemanha e vim com menos dinheiro mas com maiores esperanças para o futuro.

Entretanto o Padre Marcelino também entrou em acção e salvou o ano. No ano seguinte começou a campanha do peditório por carta que, depois um ano de persistência, começou a render, não só para sustentar os alunos, mas ainda para iniciar a construção do Seminário do Sameiro.

Eu, entretanto, andava com sonhos não participados por ninguém, nem sequer por Padre Marcelino.

Eu sonhava com um seminário muito simples mas espaçoso, onde pudéssemos admitir grande número de alunos. Já tínhamos apresentado bons grupos de candidatos para o noviciado e eu queria aumentar cada vez mais este número até enviarmos cem Padres novos a Angola. O Padre Pascoal já me tinha dito que os nossos alunos não se entusiasmavam muito para África, mas eu pensava que isto era devido à falta do Reitor e de professores. Eu continuava a sonhar com o envio de cem padres novos para Angola nos próximos vinte anos.

Tive de abandonar o meu sonho!

O Sr Arquiteto Corsépius foi convidado para fazer um projecto grandioso para o Seminário do Sameiro. O Padre Marcelino colaborava à sua maneira a juntar esmolas. Abordava menos pessoas, mas gente com mais possibilidades.

Entretanto estava o Concílio Vaticano II em pleno andamento. Surgiu na Europa e particularmente na Holanda, um entusiasmo exagerado para uma renovação total da Igreja.
Uma das inovações seria o fim do celibato para o clero. É compreensível que isto tinha influência na educação dos Seminários.

Eu estava entusiasmado com a angariação de fundos, que não acompanhava essa modernidade, mas os Padres Holandeses da Falperra, com a excepção do Padre Marcelino, deixaram-se arrastar. Sem me aperceber bem das coisas, ainda colaborei nos ensaios dum teatro duvidoso. Mas quando a bomba explodiu, fiz os possíveis para impedir os efeitos.

Como não o consegui, fui para o Alentejo. Pareceu-me bem viver pobre com os mais pobres desta aldeia. O Padre Henrique tinha-me alugado uma casita e a comunidade da Falperra cedeu-me, ao fim de muita insistência, um Renault 4L usado.
Receitas, pouco mais que zero.

Um dia fui celebrar Missa na Mina das Juliana, lugar da freguesia de Santa Vitória da diocese de Beja e, ao chegar lá, verifiquei que me tinha esquecido de trazer a chave da capela. Esta despesa de 20 quilómetros de gasolina, não me cabia no orçamento do mês. Chorei. Chorei desnecessariamente, porque antes do fim do mês, uma amiga alemã mandou-me dentro dum envelope, uma nota de vinte marcos. Este facto abriu-me os olhos para voltar a esmolar em Alemanha. Mesmo assim nunca faltei a alguma Missa Dominical ou Missa por algum defunto por falta de gasolina. Servi aqui onze aldeias, mas não em simultâneo. Durante um ou dois anos estava responsável por sete aldeias, mas meu normal eram cinco.

Entretanto consegui levantar este Lar. Tive para isso algumas ajudas inesperadas e assim tornou-se menos trabalhoso. Erigir uma obra é uma coisa. Organizá-la e pô-la em funcionamento é bem mais complicado. Felizmente veio o Sr. Aldiro a bom tempo, depois de voltar da guerra em Moçambique, tratou deste assunto e continua a fazê-lo.

No meu íntimo, continuo a ser Padre Carmelita e não Assistente Social, embora continue a preocupar-me muito com os mais pobres.

Acontece, porém, que há dois anos adoeci. Os meus ouvidos e memória degradaram-se. Já não sou capaz de tomar conta duma Paróquia. Sendo assim já não disponho duma casa paroquial, mas não estou na rua, porque o Sr. Aldiro disponibilizou-me aqui dentro, um quarto confortável. Pretendo ser um utente como os outros, mas as funcionárias tratam-me como um utente especial. Tratam-me muito bem, estou aqui muito contente.

Sem ter título para isso, faço de Capelão desta casa.

Celebro todos os dias a Missa com 12 a 16 participantes. Organizei uma catequese para super adultos e ainda me sobra tempo para fazer as minhas orações e meditações carmelitas com mais calma, respeito e amor, do que no meio das preocupações paroquiais.

Queiram desculpar se falei quase só me mim.

Agradeço a vossa delicadeza de, apesar duma longa e cansativa viagem, quererem prendar-me com este encontro tão especial.

Parece-me que não o mereci!

Mas imitando atrevidamente São Paulo digo: Não me julgo a mim mesmo. Há quem me julgará sem enganar”.
Padre Olavo”