TEXTO QUE O MÁRIO NEIVA DEFENDEU NO FORUM DA UASP
VATICANO II
– UMA IGREJA VOLTADA PARA O MUNDO
Podia escrever o título deste
tema de uma outra forma, muito mais clara e esclarecedora: por exemplo, uma Igreja voltada para a nossa condição
humana.
Costumamos dizer que uma imagem
vale por mil palavras. Um sinal exterior, uma pequenina reforma, mas de grande
sentido de uma Igreja que se quer voltada para o mundo, foi a inovação do altar
versus populi, que veio com o Concilio do Vaticano II. Era um pequeno sinal de
uma Igreja que se predispunha a ficar cara-a-cara com a condição humana.
Há imagens negativas que também
valem por mil palavras. Atente-se nestes dois acontecimentos que nos dão duas
imagens bem diferentes da postura da Igreja face à condição humana:
1 - A Igreja portuguesa enterrou oitenta
milhões de euros num templo frente a outro templo (refiro-me à Basílica da SS
Trindade em Fátima) num país onde os pobres, os doentes, os desamparados na
solidão e na velhice continuam a ser uma dolorosa realidade da condição humana,
dando um sinal que vale por mil palavras,
de uma Igreja voltada para si mesma. Repito, voltada para si mesma. É uma
Igreja que está, sem dúvida, a alimentar e a fomentar a religiosidade dos
homens, como qualquer religião faz, do induísmo ao islamismo. Mas a Igreja
católica, que anuncia o evangelho da
ressurreição da condição humana, e prega que, desde a Incarnação de Deus,
cada ser humano se tornou templo de Deus
vivo, ao dar mais importância aos templos de pedra do que ao templo de Deus
em cada pessoa, está a deixar escondida debaixo do alqueire a “luz do mundo”
que o Evangelho lhe confiou: a luz brilhante e orientadora da sua mensagem de
amor.
2 – Há pouco mais
de dois meses, o Papa Francisco juntou no Vaticano os presidentes da Autoridade
Palestiniana e de Israel, para que os três rezassem juntos pela paz, que não
chega nunca aquela parte do mundo. Eis
um sinal que vale por mil palavras de uma Igreja preocupada com a condição
humana. Todos sabemos que pouco adiantou esse gesto de amor do Papa
Francisco. Passadas poucas semanas, o pior da nossa humana condição veio ao de
cima e a terra voltou a ficar encharcada de sangue. Não tenho dúvidas que, no
Vaticano, aqueles três chefes de Estado, porque o são, cada um rezou a um Deus
diferente. Mas o gesto do Papa foi anúncio indesmentível do Evangelho para a
ressurreição da nossa destroçada condição humana. O Papa Francisco rezou ao
Deus-Amor. Os outros devem ter rezado ao Deus que inspira a construção de basílicas
sumptuosas.
I – A Condição Humana
No Concilio Vaticano II, a Igreja
Católica mostrou-se decidida a olhar para a condição dos homens neste nosso
mundo. Corajosamente, deixou que a realidade nua e crua a interpelasse, ficando
frente-a-frente com a humanidade mergulhada num mar de esperanças desfeitas.
Consciente da angústia continuada dos homens, considerou que era urgente, aqui
e agora, trazer de novo aos homens a Alegria e a Esperança (Gaudium et Spes). O
Concilio visava, em primeiríssimo lugar, dar uma boa notícia à humanidade de
hoje.
E deu. E anunciou-a bem alto por
toda a parte, valendo-se das novas tecnologias de informação. Fizeram-se
congressos, debates e vigílias. E estudos, muitos estudos. Muitos homens e
mulheres, empenhadamente, procuraram uma saída para a humanidade sofredora. A
chamada “doutrina social da Igreja”, acarinhada neste Concilio, terá
influenciado comunidades inteiras de nações, que puseram na lei um Estado Social,
visando a solidariedade entre os cidadãos. Sem violentar ninguém, fazia-se
justiça através dos impostos e contribuições, em que os mais talentosos e mais
bem-sucedidos na vida partilhavam, de certo modo, a sua farta mesa com os menos
bafejados pela sorte. A Igreja do Vaticano II, incentivando a criação de
sociedades solidárias nas leis e nas práticas, renovou a esperança do Evangelho
Cristão para todos, sobretudo para os mais desgraçados dos homens.
Hoje podemos constatar que o movimento da
solidariedade humana entre os cidadãos, transposto para a lei de algumas nações,
foi sol de pouca dura. Com efeito, desde os inícios dos anos oitenta do século
passado, o caminho para a solidariedade entre cidadãos, que poderia vir a transformar-se
em solidariedade entre as nações da Terra, começou a ser minado e está hoje em
farrapos, nos países onde já foi bandeira.
Muito estranhamente, as
esperanças do Vaticano II foram-se esfumando até quase a extinção, até se fazer
ouvir o grito angustiado do Papa Francisco contra uma economia que mata.
É um facto: passados já 50 anos
sobre as esperanças evangélicas renovadas no Vaticano II, o panorama geral da
nossa condição humana continua, como sempre, desolador: as mesmas injustiças, vaidades, cobiças, orgulhos e
guerras; a doença, o sofrimento e a morte; tempestades, dilúvios, secas,
fomes, pragas e pestes. Continuamos a nascer mergulhados em tudo isto. É um
acervo terrível, que passa de geração para geração, como doença genética, e que
na bíblia aparece sob a designação genérica de “pecado do mundo”.
Haverá solução para os males da
nossa condição humana? Como transformar tamanha desgraça em felicidade?
É uma tarefa que sempre pareceu
impossível ao homem levar por diante e que só estaria ao alcance de um poder
infinito. De facto, mesmo que fizéssemos as leis mais justas e acabassem as
maldades dos homens, como vencer dilúvios, tremores de terra, pestes, perigos
de todos os lados, secas, fomes, doenças e a morte certa?
Vamos desistir? Os nossos
antepassados nunca se deixaram cair no desespero. Pelo contrário, sempre
acalentaram a esperança de ver transformada em paraíso, a infelicidade da nossa
condição. De uma esperança frustrada nascia outra esperança. O AT e NT são dois
testemunhos de fé na salvação da Humanidade, de uma redenção que viria dos Céus.
II – O Evangelho de Jesus Cristo
Escrevia, em Maio deste ano, o frei Bento Domingues: “De tudo o que
conheço das expressões do fenómeno religioso é (com cristianismo) a única vez
na qual a divindade se identifica com as suas criaturas”.
Para as primeiras comunidades
cristãs não podia ter sido mais radical a esperada intervenção divina na
história humana para erradicar todos os males: Jesus Cristo, o próprio Filho de
Deus, assumiu a nossa própria condição, para a transformar em condição divina,
herdeira de todos os “dons de Deus”.
O que terá, então, corrido mal
para que, passados dois mil anos, a nossa condição humana continue tão atribulada
como sempre?
Houve, desde sempre, a tendência
para embelezar a vida de Jesus na história, mas a verdade professada no Credo
católico é que Jesus foi um homem em tudo igual a nós, sujeito a tudo o que
pode acontecer a um homem, sem privilégios de espécie alguma. A sua vida e
morte foram iguais à desgraça de biliões de seres humanos: trabalhos,
perseguições, injustiças, tortura e morte. Ou seja, sofreu o pior da condição
humana, excepto a maldade, segundo o testemunho dos evangelistas, que o
descrevem como o “justo dos justos”.
Há quem se assuste com o quadro
terrível da condição humana de Jesus de Nazaré, afinal, o Cristo de Deus para a
Humanidade. Não foi o caso de S. Paulo, que definiu a condição humana de Jesus
de uma forma avassaladora: “Deus o fez
pecado”. Com isto querendo dizer que Jesus Cristo, enquanto Jesus de
Nazaré, bebeu o cálice da condição humana até à última gota, como atestam por
escrito e de forma impressionante os evangelistas.
Tendo presente o testemunho de S.
Paulo e dos evangelistas acerca da condição humana de Jesus, podemos concluir e
devemos concluir que a intervenção extraordinária de Deus na história pessoal
do homem Jesus de Nazaré só ocorre depois da sua morte, quando, como escreve S.
Paulo, Deus Pai o ressuscitou dentre os mortos. Até esse momento, a sua sorte foi a sorte normal da condição humana.
Isto significa que os cristãos, à semelhança de Jesus Cristo, só
conhecerão o seu novo estatuto glorioso, isto é, livre das doenças, sofrimentos,
maldade e morte, depois de ressuscitados! E isso aconteceria com a “segunda
vinda”, a “parusia” de Jesus Ressuscitado.
Por isso rezavam insistente e
confiadamente pela chegada desse dia: “vinde, Senhor Jesus”.
Mas Jesus não veio. Decorreram dois
mil anos sobre a ressurreição de Jesus, mas para a humanidade ainda não aconteceu
a ressurreição anunciada e esperada.
Que terá acontecido?
As promessas contidas e anunciadas
no Evangelho Cristão são fascinantes e os primeiros a ouvi-las ficaram
maravilhados. Porém, a história não é feita de anúncios, nem que seja o anúncio
mais espantoso de todos os que até ali se ouviram. Bem sabemos que a História é
a vida um dia depois do outro, numa longa e lenta caminhada. E a aflição dos
homens foi sempre grande demais e urgente demais. E quanto a isso, nada mudou
até hoje.
Neste contexto, o tempo de espera transforma-se
em tempo de frustração e descrença, até que se construa uma nova esperança de
salvação. Foi isso que aconteceu ao grupo dos discípulos de Jesus e às
comunidades que se formaram à volta do Evangelho-promessa-de-ressurreição,
como veremos já de seguida.
III - Recuando Dois Mil Anos
Os apóstolos e, mais tarde, as
comunidades cristãs que entretanto se haviam formado e esperavam a ressurreição,
sofreram dois fortíssimos abalos: o primeiro
deu-se entre os discípulos que acompanharam Jesus mais de perto e esperavam a
instauração de um Reino de Deus muito identificado com o Reino de Israel; o segundo, entre as comunidades cristãs
estabelecidas, que não viram chegar a “Parusia do Senhor”, o Fim do Mundo, o
Dia do Juízo Final e a Ressurreição Universal, anunciados como estando iminentes.
A propósito destas esperanças
frustradas escreve o Pe Carreira das Neves na sua última obra publicada, Condição Humana Sem Pecado Original:
“ A liturgia da Igreja na Noite de Natal fala do tempo messiânico,
que só pode ser um tempo de paz e de bem, sem mal, doença, guerra e morte. Mas
este sonho não aconteceu de maneira efectiva na história com a vinda de Jesus
de Nazaré. Tudo continuou mais ou menos
como dantes: guerras, homicídios,
genocídios, dilúvios, tremores de terra. E foi desta feita que as
comunidades cristãs primitivas começaram a tremer, como testemunha a 2 carta
Pedro, 3, 3-4)” .
Do primeiro choque.
Jesus de Nazaré acabou por não
ser o messias que os apóstolos de Jesus estavam à espera, o cristo das
esperanças messiânicas dos judeus e para os judeus. As esperanças messiânicas
dos judeus, que inicialmente eram as dos apóstolos, confundiam-se com um Reino
de Deus aqui na terra, centrado no povo eleito de Israel. João Baptista, o
grande pregador deste Reino de Deus foi barbaramente assassinado e a Jesus de
Nazaré, acreditado como o próprio messias, aconteceu ainda pior. Como sabemos
pelos evangelhos e os Actos dos Apóstolos, os discípulos dispersaram e foram à
sua vida, profundamente desiludidos. Afinal, continuava tudo como dantes:
ocupação romana, opressão, fome, doença, injustiça, miséria e angústia. Mais as
tempestades, os terramotos, as pestes e as pragas.
Do Segundo choque
Quando tudo parecia
irremediavelmente perdido, eis que surge um Novo Evangelho, anunciando um novo
Reino de Deus totalmente inesperado: Cristo Ressuscitado, o primogénito de uma
Nova Criação e de uma Nova Humanidade. Um Novo Adão. Com a fé na Ressurreição
de Jesus Cristo nada será como dantes. Tudo vai ser recriado. Tudo mesmo: o
mundo e a humanidade, os céus e a terra. E este acontecimento de dimensões
apocalípticas terá lugar na história, a muito curto prazo, porque o velho mundo
com a sua velha história havia chegado ao fim do seu tempo de validade.
Era um anúncio tão apelativo
quanto incrível e absurdo, que os filósofos gregos escarneceram de S. Paulo,
quando este lhes foi anunciar o Evangelho
da Ressurreição, em Atenas.
Os anos foram rolando e parecia
que os gregos tinham razão porque, mais uma vez, a realidade histórica teimou
em não ajustar-se à Boa Nova. Com efeito, tudo continuou como dantes: guerras,
homicídios, genocídios, doença, injustiças e morte. Ainda não passavam 50 anos
sobre o anúncio do Evangelho da Ressurreição universal e já as comunidades
cristãs manifestavam abertamente a sua frustração, como vimos naquela citação
da 2 carta de Pedro. Tanta promessa, e tudo continuava como desde o princípio
do mundo!
IV - Depois da frustração, a Nova Esperança.
(Nota; a minha geração e as anteriores foram catequizadas de uma forma
que escondeu sempre aquelas primitivas frustrações. E foi pena, porque elas
podem constituir um precioso ensinamento para os nossos tempos, que se querem
de diálogo com os outros cristãos e com a realidade do mundo actual).
Será que o cristianismo sacudido
logo à nascença por estes dois fortes abalos se conformou com a “situação sem remédio” deste mundo?
A resposta é sim e não.
a)
Sim,
porque o Evangelho permaneceu o mesmo; nada da sua mensagem foi repudiado,
apesar da não concretização das promessas.
b)
Não,
porque se alterou completamente a interpretação da mensagem do Evangelho
Cristão. Entraram em acção os filósofos e os teólogos cristãos, que lançaram
mão da filosofia grega, aquela mesma que ridicularizou, no Areópago de Atenas,
S. Paulo e o seu Evangelho da
Ressurreição. Ajustaram o Evangelho da Ressurreição à filosofia do
homem-alma-imortal, pensada e proposta pelos grandes filósofos gregos. Deste
modo, as graças e desgraças do corpo nada têm a ver com as graças e desgraças
da alma. A própria morte desaparece do horizonte do homem, agora que a essência
do homem é a alma imortal. Assim, morre o corpo, mas permanece viva a alma e a ressurreição já não faz falta nenhuma.
Com esta filosofia, a teologia
cristã permite que o racionalismo se substitua à fé e à esperança, e, de
caminho, desfaça o mistério da vida e da morte. De facto, já não há mais
mistérios: a morte é a migração para outro mundo; está tudo explicado; lógica é
lógica e o homem é uma ideia imortal como são todas as ideias.
(Pois, mas como dizia a minha
avó, de lá não vêm cartas!)
A transposição deste conceito de
homem para o cristianismo vai ter consequências devastadoras. Vai fazer com que
o cristianismo volte as costas “às
coisas deste mundo” e daí em diante viver-se-á com os olhos fixos no além e
todas as esperanças de felicidade são transferidas para um mundo-paraíso “das
almas”(ou da das ideias, como ensinou Platão; não S.Paulo).
Cuidar-se-há dos bens da alma e
para a alma, o que está certíssimo, mas vai-se desvalorizar até ao desprezo, as
coisas do corpo, por serem “coisas deste
mundo”.
Logo que esta infeliz filosofia fez caminho e
se firmou no cristianismo, este tornou-se profundamente pessimista e, em
consequência, assistiu-se ao nascimento do monaquismo, um movimento de “fuga do mundo” que dura até aos nossos
dias, embora, como se sabe, os grandes espaços dos conventos estejam cada vez
mais desertos de vocações, ou seja, de homens e mulheres que fogem do seu corpo e do seu mundo,
cuidando apenas de salvar a sua alma. Confessando-o ou não, acreditam que o
nosso corpo vale zero. Ou menos que isso, porque só atrapalha.
Esta descrença no corpo, que é
descrença na materialidade da condição humana, foi música dos anjos para os
ouvidos de toda a espécie de opressores e canto de sereia para tantos homens e
mulheres de boa vontade. Até Francisco de Assis se lembrou de rebolar-se sobre
os espinhos do roseiral do convento para acalmar a besta do seu corpo.
A cegueira foi tanta, que mais
parecia que ao falar-se do corpo e das coisas materiais se falava do diabo e da
obra do diabo. Tamanho foi o zelo
espiritual, que o resultado final foi, nem mais, a profanação da obra do
Criador.
Assim se inventou e se impôs um
“mundo profano”. Chão sagrado só mesmo o das igrejas, conventos e cemitérios!
Como ficou distante o evangelho de Paulo de
Tarso: “o vosso corpo é templo do Espirito Santo”; “vós sois o templo de Deus
vivo”.
E há mais. A partir do momento em
que se abandonou a filosofia da materialidade do homem como essência da sua
condição, é o mundo e a sua história que deixam de fazer sentido. De caminho, também
perde todo o sentido a “ressurreição dos mortos”, professada no Credo católico.
De facto, se a pessoa é tão-somente alma imortal, como vai ressuscitar alguém
que nunca morreu?
V - A ressurreição dos espiritualistas
Claro que a teologia cristã não podia
deixar de lado um ensinamento tão central do seu Evangelho como é a fé na
Ressurreição. Por isso cuidou de arranjar uma saída airosa, engenhosa e
apelativa. O resultado foi conduzir o cristianismo a um oceano de equívocos. O
padre transformou-se num pastor de almas e, claro, as almas não precisam de
comer, vestir e calçar. Aliás, quanto menos comer, mais depressa o homem chega
ao paraíso, livrando-se de vez, do peso bruto e inútil do corpo. Mortifique-se
a besta!
A solução engenhosa dos teólogos
cristãos consistiu em dar um sentido estritamente espiritual ao Evangelho da
esperança da ressurreição, como se fossemos um mundo de espíritos a viver,
desterrados, no meio da materialidade sem préstimo e sem sentido. Só faltou
escrever e pregar que o mundo das estrelas, dos oceanos e das montanhas foi
criado para azucrinar as almas e que o Criador foi algo desastrado.
Para os teólogos das almas, a
ressurreição não é mais que a simples transição da vida do pecado para a vida
da graça, da maldade para a bondade. Ou seja, a ressurreição não é mais que uma
transformação espiritual da pessoa, e a pessoa, quando morre o corpo, subsiste
para sempre sem qualquer ligação, explicita ou implícita, tanto à Terra como ao
imenso e inútil universo das estrelas.
O que mais me choca nesta
teologia é a pretensão de desligar a
alma humana do todo que é o universo. Ora, se o universo não existe sem
Deus ou fora de Deus, como esta teologia postula, é de Deus que estes teólogos pretendem
desligar o homem!
Uma vez assumida a filosofia grega da imortalidade da alma, os cristãos
dispuseram-se a abandonar o corpo à sua sorte, como se apenas o corpo fosse
corruptível e irrecuperável. Não é verdade. A maldade corrompe o espirito do
homem até à monstruosidade! A alma é tão corruptível quanto o corpo! Cada um a
seu modo, claro.
Algumas perguntas
- Sem a realidade da materialidade humana (o corpo), que sobra da fé e
da esperança da ressurreição professada no CREDO católico?
- Como pode a Igreja voltar-se para o Mundo se não recuperar o “corpo
de morte” para o ver transformado em “corpo de vida”?
- Que sentido faz preocupar-se a Igreja com a erradicação da doença, da
fome e de toda a espécie de sofrimento, se a finalidade última não é
ressuscitar o corpo de morte do homem, mas apenas o espírito doente do homem?
- Por parecer um absurdo acreditar na erradicação da dor, da doença e
da morte do corpo, abandona-se a esperança na sua ressurreição? Teriam razão os
gregos do Areópago de Atenas, quando se riram da ressurreição de S. Paulo e o
mandaram ir pregar esse absurdo para outra freguesia?
- Se a morte biológica representa, de facto, a libertação do espirito e
sua redenção final, que sentido faz lutar contra os males que afligem o corpo,
prolongando-lhe uma existência inútil e que só estorva?
Nota: não estou a sugerir a ressurreição dos “restos mortais” feitos em
pó ou tornados alimento de bactérias. Não será esta “carne e este sangue” que
vão herdar o “reino dos céus”, como escreveu S.Paulo. Só pretendo sugerir que
não se desligue o homem, enquanto realidade material e espiritual, do seu
universo. Se as estrelas nos deram esta vida, também a saberão preservar. Não
me perguntem como, que não faço a mínima ideia. Só sei que a aventura humana
continua. E continua esperançada.
Que bom!
Conclusão
O Evangelho da Ressurreição
anuncia o triunfo absoluto sobre a doença, a dor, a morte e toda a espécie de
crime, dentro deste exacto mundo, não fugindo dele, mas transformando-o.
Abandonar esta fé e esta esperança, inventando um mundo de espíritos
desencarnados, é pretender encontrar uma resposta tão óbvia quanto curta,
grosseira, e, sobretudo, ignorante, para o mistério da vida e do universo.
Mistério é mistério mesmo.
Se aí alguém afirmar que já desvendou
o mistério da vida e o compreendeu, é porque ainda nem sequer percebeu que há
mistério.
Apesar de a tarefa para vencer a
morte e o mal continuar a parecer uma tarefa só ao alcance de um poder
infinito, vamo-nos convencendo cada vez mais que é mesmo uma tarefa nossa e
ninguém a realizará sem nós ou em nosso lugar.
Ninguém, a não ser nós, evitará
que nos caia um raio em cima da cabeça.
Ninguém nos salvará se não
dissermos sim ao Mistério da Vida e do
Universo, aproveitando a inteligência, a sensibilidade, a racionalidade e a
consciência única que somos.
A esperança dos nossos antepassados pode e
deve continuar a ser a nossa: o fim das guerras, dos genocídios, dos
homicídios, da doença, das injustiças e da morte.
Reze-se ao “ cordeiro de Deus que tire o
pecado do mundo”, mas que isso não signifique pretender dispensar a realidade
da condição humana. De outro modo, para
que é que teria sido criada a nossa condição humana?
Mário Neiva
Braga, 13 09 2014
2 Comments:
Como autorização do seu autor posto aqui um texto que o Jorge Dias fez chegar à AAACARMELITAS:
“Intervenção de M Neiva: Era natural que viesse a ocorrer o dislate desta intervenção nos foruns da Uasp. Quando ficamos pelo caminho do desenvolvimento mental, (e refiro-me à intervenção do M Neiva), e assumimos o desenvolvimento mental da nossa cabeça, como o ponto máximo a que a humanidade chegou, damos uma triste figura de nós próprios! E logo criticando a Basílica da Santíssima Trindade em Fátima... Quanto ao Evangelho, como o nome diz, primeiro é mesmo de amor aqui, hoje, na minha casa e para contigo, no dia a dia, e foi assim que apesar de tudo os cristãos mudaram o mundo! De ressurreição só o será se o fizermos ser! A citação do frei Bento Domingues é bem travestida. Está bem melhor o frei Bento na última Sábado, de quinta feira passada, em grande entrevista da sua vida. Obrigado pela remessa mas prefiro estar com o Papa Francisco e com a Igreja que fez a Basílica da Santíssima Trindade. Esta gente de discursos quixotescos só cria confusão, exibe umbigos e nunca dá nem um copo de água. Tudo fazem em função de si mesmos e sempre saberão tudo porque só se vêm a si no horizonte. Estou mesmo noutra. Que este tormento, que acredito, sentes, te seja leve...”
Parabéns Jorge Dias.
BOM ANO
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